quarta-feira, 29 de junho de 2011

Floresta em pé

Florestas deitadas, sentadas, agachadas? Parece besteira, mas existiria outra possibilidade de existência para as formações florestais? Pode até ser que em algumas condições, indivíduos ou formações possam assumir características diferentes daquelas determinadas pelo geotropismo nas plantas. Mas uma árvore, de uma forma geral, tem como característica intrínseca o desenvolvimento vertical de tronco, que estabelece e fixa o vegetal, da forma mais estável possível, para maximizar a abertura aérea da copa.

O termo decorre da denominação da matéria prima florestal extraída diretamente no local de ocorrência. "Madeira em pé" se refere à comercialização individual de árvores de madeira valorizada, procedimento tradicional nas áreas florestais. O processo de abate seletivo irregular ocorre principalmente, quando o controle oficial inexiste  ou é deficiente, quando a demanda de madeira é predominante na economia local, e quando há imperativa necessidade de obter ganho financeiro, de modo rápido e com mínimo custo.  Vendem-se as "madeiras" diretamente ao interessado, o qual arca com custos de exploração, transporte e "legalização". 

Floresta "deitada"?
O perigo em repetir jargões está em legitimar conceitos descabidos, mascarando o problema, causas e efeitos. "Em pé" é uma nomeação imprópria e inaplicável à floresta. Demonstra, além de desconhecimento, um despreparo para qualquer trato subsequente da questão. Induz à consideração de outras "posições" admissíveis (deitada, sentada)O principal é que muda radicalmente o foco da questão, pois desvincula e desassocia a função ambiental e produtiva da floresta, e a responsabilidade de tutela governamental e do proprietário ou usuário da terra.

O que se deveria dizer, na verdade, é: manutenção da floresta. Isto é sutil e significativamente diferente. Manter a floresta implica em cuidar, proteger, e até mesmo, utilizar responsavelmente. A floresta só pode ser concebida "em pé", e sua manutenção é uma condição indissociável à existência. Se não estiver em pé, não é floresta!

quinta-feira, 23 de junho de 2011

Extrativismo de capital

A Agência Brasil publicou em 19/06/2011, dados interessantes:
As florestas são a fonte de pelo menos 200 mil famílias que vivem do extrativismo só na Amazônia
Um milhão de pessoas diretamente envolvidas com a coleta e venda de produtos florestais já é uma população expressiva, mesmo dispersa e diversificada. Se considerarmos a cadeia produtiva, facilmente percebemos que o contingente é muito maior. 

Dentro dessa consideração, são Incluídos o pescado e diversos produtos vegetais não madeireiros (castanha, óleos vegetais, fibras, açaí e látex). 
O pescado é tratado dentro do setor pesqueiro por regulamentação, normatização e legislação específica. Compreende cadeias consolidadas e associadas tradicionalmente ao ramo produtivo da administração pública. Os demais produtos florestais incorporam o caráter preservacionista do extrativismo, o que contribui para a manutenção da informalidade e das escalas artesanais de produção.

Diversidade de frutos e sementes florestais

Políticas públicas para o extrativismo, conforme a reportagem, não consideram a questão da produção, da família em si, da organização comunitária, da convivência com os recursos naturais, da regularização fundiária, e do ordenamento ambiental. Um representante dos extrativistas, Manoel Silva da Cunha, destaca no texto, a questão fundiária como o principal problema: “Até hoje esse processo ainda permanece, inclusive nas reservas extrativistas ... o problema da regularização não está resolvido”.
O ordenamento fundiário passa pela reforma do Judiciário, operacionalização dos Cadastros Nacionais, incorporação e integração das informações e procedimentos dos órgãos ambientais, georreferenciamento cartorial em base única, indenização de terras particulares, etc. Não se percebe nenhum esforço em ações estruturantes e integradas em abrangência nacional para resolver esse passivo secular do Estado.

Manoel Silva da Cunha enfatiza a inépcia: “... quando você quer melhorar a sua extração ... não tem ninguém dentro dos órgãos habilitado pra isso”. Cunha aponta também a falta de crédito para o extrativista.
É muito fácil estabelecer princípios, diretrizes e metas nos gabinetes federais. E a arrogância teórica e burocrática desconhece realidades distantes e ignora assuntos locais. Qualificação não significa titulação, mas a experiência de conhecimento e de prática, e a capacidade de contribuir e agregar colaboradores no esforço da solução. Muitos técnicos e gestores públicos porém, não pensam nem agem assim.
O crédito é um produto financeiro de alto custo e risco, e diversos aspectos da informalidade do extrativismo  dificultam o acesso. O fluxo do capital não acessa os recônditos das fontes de extração devido à insignificância econômica e rentabilidade restrita. O elefante não enxerga a formiga e vice versa.

Ouriços com castanha não beneficiada

Do lado oficial, os diretores do Departamento de Florestas, do Ministério do Meio Ambiente, e do Serviço Florestal Brasileiro, são citados declarando que tem havido resultados bastante interessantes, e que o trabalho tem sido mostrar que conservar a floresta gera renda.
E os resultados práticos?

O texto finaliza relatando que no Plano Brasil Sem Miséria está prevista a Bolsa Verde, um auxílio trimestral de R$ 300 para famílias que contribuem para a conservação nas suas localidades.
Dar dinheiro é sempre muito bom, principalmente quando é dos outros e serve para a auto promoção.


Algumas Referências:

Amazônia: como aproveitar os benefícios da destruição?
HOMMA, ALFREDO KINGO OYAMA 

A extração sustentável de produtos florestais na Amazônia brasileira: vantagens, obstáculos e perspectivas.
DRUMMOND, J.A.  Estudos Sociedade e Agricultura, 6, julho 1996.

EXTRATIVISMO DE PRODUTOS FLORESTAIS NO ECOSSISTEMA PÁRAMO (CENTRO-OESTE DA COLÔMBIA): ANÁLISE DAS SUAS IMPLICAÇÕES SOCIOECONÔMICAS E AMBIENTAIS
CARDONA, J.C. de los R.; SOUZA, G.C de. 

Produtos Florestais Não Madeireiros: Importância e Manejo Sustentável da Floresta
FIEDLER et al

PLANTAS MEDICINAIS E AROMÁTICAS: PRODUTOS FLORESTAIS NÃO MADEIREIROS (PFNM)
CASTELLANI, D.C. 

Gestão e comercialização de produtos florestais não madeireiros (pfnm) da biodiversidade no Brasil.
GONÇALO, J.E.  XXVI ENEGEP, Fortaleza, 2006.

ASPECTOS MERCADOLÓGICOS DE PRODUTOS FLORESTAIS NÃO MADEIREIROS – ANÁLISE RETROSPECTIVA 
BALZON et al. FLORESTA 34 (3), Curitiba, 2004

PRODUTOS NÃO MADEIREIROS: CONCEITUAÇÃO, CLASSIFICAÇÃO, VALORAÇÃO E MERCADOS
SANOTS et al. REVISTA FLORESTA 33(2), Curitiba, 2003

Para quê serve a Floresta?

Para quê?
Humm ..... Tanta coisa.... 
A demora para responder talvez seja por que as idéias não estão claras e as palavras não estão na ponta da língua. Por serem tantas as utilidades e serventias, ou talvez por que desconheçamos a maioria. Um cidadão urbano citará intuitivamente várias características, funções, qualidades. Um agricultor destacará questões, limitações e restrições relacionadas ao funcionamento prático e financeiro. Um cidadão europeu imediatamente defenderá os interesses ambientais globais. Um parlamentar brasileiro certamente defenderá a importância da produção rural. E por aí vai. Todos tem razão; cada um a sua.

Preservar?
Uma grande contribuição para a manutenção do mito, talvez seja a postura emotiva da maioria, inclusive de técnicos e profissionais do setor. Dificultando o esclarecimento, não contribui para  uma justificativa plausível da manutenção das florestas. Mas manter uma área florestal, "reservando" os recursos naturais para um eventual "uso", qualquer que seja, custa bastante. São necessárias várias medidas e intervenções. E pouca gente enxerga e compreende isso. Se não extrairmos nenhum produto ou matéria prima, se não "usarmos" a área, estaria garantida a manutenção? E com a crescente ocupação e pressão de consumo, até quando as áreas seriam preservadas e mantidas "naturais"? Hummmm ....

Floresta ciliar e ilhas florestadas no Rio Teles Pires - MT

Custa manter
Possuir uma extensão de formação florestal na propriedade é mais problema do que solução. São exceções os proprietários que mantêm florestas de bom grado e por convicção, e ainda mais com rentabilidade. A maioria não quer. Quem tem a experiência e quem conhece a questão,  sabe o que isso significa. 
A própria manutenção pura e simples da floresta custa muito. O "não uso" demanda proteção, regularização, vigilância e conservação, ações que requerem recursos constantes. A manutenção, considerando a alternativa de não explorar diretamente, requer medidas registro, cadastro, regularização e legalização, ações de monitoramento e intervenções ocasionais e sazonais. Soma-se a proteção, com combate a fogo, a invasões e interferências, prevenção contra pressões e ameaças, incluindo representações, deslocamentos e negociações presenciais. Somou? Os custos institucionais e administrativos constituem grande causa de desestímulo.

Custa produzir, é difícil e demorado 
Por ser uma atividade específica, a exploração florestal madeireira requer a contratação de um profissional habilitado para elaborar um Plano de Manejo, atividade bastante custosa. O controle e a autorização constituem um processo complicado e demorado, e os custos administrativos e técnicos, geralmente não são contabilizados devidamente. É necessário o cumprimento de dezenas  de exigências e requisitos para, após vistoria e aprovação, esperar a liberação do início da exploração. Se o tempo de retorno já é desestimulante, o tempo de espera até a improvável autorização, tende a exaurir os recurso e a motivação do solicitante, e impedir a produção florestal. A opção pela ilegalidade é pessoal, dentro de um contexto cultural favorável, reflexo do mercado, do Estado e da sociedade.

Exploração ilegal de palanques de Itaúba

Na exploração de outros produtos florestais, a regularização legal e administrativa é tão complicada quanto no setor madeireiro. E extenuante, quando não inviável, para a maioria dos exploradores. Estes são na quase totalidade, trabalhadores rurais sem propriedade, posseiros, produtores com titulação precária ou sem dominialidade da terra. Empregados rurais, arrendatários, meeiros, ou agricultores de subsistência familiar extraem produtos da floresta por estratégia e necessidade de sobrevivência.
Os demais requisitos para a formalidade são impraticáveis para a maioria, que extrapola o esforço de abastecimento familiar de subsistência, e acaba contribuindo individual e precariamente na produção regional. Quem precisa caminhar horas dentro na mata, se submeter efetivamente a condições extremas de insalubridade e de risco, carregar e estocar colheitas, não tem tempo, dinheiro e condições para os entraves burocráticos. Deslocamentos de dias de barco e/ou por estradas precárias, e semanas de tramitação burocrática, realmente não são para qualquer um.

Impede o desenvolvimento (!!)
A floresta é um obstáculo à produção rural tradicional. "Ocupa o espaço" das atividades agrícolas convencionais, portanto deve ser excluída da cadeia e retirada do ciclo. Procede-se à substituição da cobertura vegetal e do uso do solo. Como fica a produção de alimentos, a geração de riqueza, de empregos, de superávit comercial, de energia elétrica, se a floresta está ocupando a área produtiva? E sem retorno financeiro algum, só gera custos? Como a região poderá se desenvolver, se "só tem mata"? E não pode usar nem tirar!!

Degradação de Área de Preservação Permanente - Parque Estadual Cristalino, MT

Revendo nosso preconceito
A perplexidade diante do gritante paradoxo é, como diria um professor, estupefante. 
Se a a verdade é espantosa, veja na interpretação:
- se as pessoas foram literalmente levadas, e até impelidas a ocupar áreas florestais?
- se isto foi promovido, estimulado, e ocorreu sob a  responsabilidade oficial, de governos e instâncias do Poder Público, ao longo de diferentes épocas, relacionado a distintos interesses e em diferentes regiões, nhã, nhã nhã, pê, pê, pê.....     ??
- se é do nosso entendimento e concordância que, a terra "nua" e "limpa" vale mais, e a retirada da floresta ainda constitui "benfeitoria", quesito para valoração e outras contabilizações econômicas, financeiras e fiscais?
- se a floresta IMPEDE O DESENVOLVIMENTO ! ... !! 
- se ocupa o espaço, diga-se terras, de outras atividades mais "rentáveis" (lucrativas)!;
- tem um monte de doença e mosquito!!
- custa muito para manter, custa para explorar, é insalubre ...
Quer saber...

Desflorestamento e queimada para expansão de pastagem

sábado, 18 de junho de 2011

O quê derruba a árvore?

Precisamente, considerando causas antrópicas, são necessárias três coisas para derrubar uma, ou muitas árvores: a determinação pessoal, o equipamento e a energia. Na ausência de um destes fatores, a árvore, e as florestas, só caem se ocorrerem fatores naturais extremos ou por senescência.

Como percebemos, a motivação e o estímulo para retirar árvores, é essencialmente econômico e financeiro. É convidativo proceder à exploração dos recursos madeireiros de maior valor de marcado, apesar do risco que a ilegalidade representa. Mas as distâncias, precariedades, conivências e cumplicidades diminuem consideravelmente esse risco.

demanda reprimida do mercado madeireiro porém, é muito menos determinante no uso alternativo do solo e substituição da cobertura vegetal. A necessidade constante dos mercados agropecuários de porte, de  incrementar o fator de produção solo, impõe pressões econômicas e financeiras muito mais significativas na retirada da floresta.

A exploração de madeira interessa ao madeireiro, empresário industrial cujas serrarias deveriam ser supridas com matéria prima de origem exclusivamente legal, constante e permanentemente. O precário e deficiente controle oficial no fluxo e cadeia da madeira, juntamente com a cultura social da ilegalidade e convicção da impunidade, favorecem a retirada ilegal de toras de algumas árvores, em todas as áreas que possuem oferta de madeira.

Transporte de toras de Castanheira no sul do Pará


Por outro lado, o estímulo oficial, político, econômico, financeiro e cultural, provoca a expansão da área produtiva da agro exportação, que alimenta o mundo, gera PIB, emprego e renda, principalmente nas áreas de contato entre pastagens consolidadas e florestas exploradas. E o ciclo da pastagem ou da cultura, determinados pela especulação financeira e lucros internacionais, se inicia de maneira irreversível sobre solos originalmente florestais, como mera consequência de mercado.


A motosserra corta as árvores para a serraria, o que deveria ser uma coisa louvável, em regime de manejo. O trator abre o espaço para a produção das mercadorias internacionais. São dois processos interligados, diferentes no efeito imediato, mas semelhantes na determinação do maior lucro, no menor prazo possível.